11 de jun. de 2015

Dia 2: Ida + O Duplo (11 de março)

No segundo dia do desafio, dois filmes... ambos no cinema e os dois igualmente perturbadores, cada um de seu jeito.

Inverto aqui a ordem para começar com o segundo filme a que assisti neste dia. Ida, uma produção da Polônia dirigida por Pawel Pawlikowski em 2013, recebeu o Oscar de filme estrangeiro neste ano. Eu tive sorte nesse caso, porque eu o havia perdido nos cinemas quando primeiro entrou em cartaz, e realmente eu não queria assistir ao que parecia uma linda fotografia pela minha minúscula old TV.  

Novamente, eu não sabia muito a respeito do que se tratava. Eu evito ler críticas e outros cometários antes de ver um filme, tentando sempre ser surpreendida pela história. Mas às vezes é inevitável, especialmente com grandes produções. Eu não sou alérgica a spoilers, no entanto. Mas um filme que se desenrola sem que saibamos muito o que está por vir é sempre uma experiência interessante. 

E Ida foi uma surpresa gratificante, e fazia tempo que eu não era surpreendida assim. Primeiramente, foi o silêncio - lindo e forte. Tão eloquente, como costuma ocorrer em filmes que usam o silêncio como modo de contar uma história.  especialmente em narrativas sobre uma violência tão hedionda que os sons estridentes acabam por ser tornar redundantes.  

Os três protagonistas são desenvolvidos de forma bastante intensa, ainda que por meio do silêncio, e com a ajuda da branquidão vasta das imagens. Planos abertos,  pequenos detalhes, o olhar agudo de Ida... Todos esses elementos nos conduzem a uma ideia a respeito do que seria a excruciante experiência da guerra. Esta seria, aliás, um dos protagonistas do filme. Os outros dois, Ida e sua tia Wanda (ambas incrivelmente interpretadas por duas maravilhosas atrizes) transitam num mundo de perda e imensa dor de uma forma que penetra em nossos corações a cada cena. 

Enquanto eu comprava o ingresso para o filme, a moça na bilheteria disse como ela tinha gostado de Kingsman, o terceiro filme que eu tinha planejado ver neste dia, mas decidi deixar para outro dias após Ida. A respeito deste último ela me disse que, tudo bem, a história era boa, mas o silêncio, ah o silêncio, era arrasador. E insuportável. E as cenas eram muito lentas, disse ela ainda. Eu sorri e disse como eu com certeza gostaria do filme. Durante a sessão, eu pensei como, apesar da minha (peço desculpas por ser explícita) imensa vontade de ir ao banheiro, eu não consegui sair do cinema por nada, tão presa ao filme eu estava. 

Eu mais que gostei do filme, na verdade. Eu costumo dizer, em relação ao alguns filmes, que gostar é uma expressão inadequada. Eu me senti assim diante de A Fita Branca (The White Ribbon), dirigido por Michael Haneke (2009). O filme consegue ser tão exato no que ele diz, e o faz de forma tão crua, e ele é de fato maravilhoso em como apresenta a história, mas não há como usar a palavra gostar para se referir a ele. Claro, Ida tem bastante espaço em si par ao encantamento, mas o lugar em que ele nos coloca prioritariamente é tão dolorido e triste, se não fosse a extrema poesia da imagens, ele se tornaria insuportável. Mas, ao mesmo tempo, é essa mesma poesia que o torna tão difícil de presenciar. 

Este é o ponto da poesia: uma intensidade tão grande que permite expressar amor, dor, perda de uma forma que nada é totalmente completo ou absolutamente seguro. Ela é ambivalente, cruel, esmagadora e, por fim, repleta de esperança. 

Rogerio Luz, pesquisador brasileiro, afirmou que o cinema poder nos possibilitar uma experiência tão excruciante de violências que, felizmente, não vivenciamos na nossa vida senão pelos filmes. Ele dá o exemplo das produções sobre as Segunda Guerra Mundial e do Holocausto, que nós experenciamos por meio de muitos filmes de diferentes nacionalidades.  Durante Ida, suas palavras me vieram à lembrança em muitas cenas (Filme e Subjetividade, Contra Capa editora, 2003). 

Outra referência bastante vívida durante Ida foi o livro Hope: a tragedy: A novel, do autor judeu norte-americano Shalom Auslander. Por meio de seu personagem principal e um usual encontro com uma Anne Frank bastante velhinha, Auslander discute como as imagens do Holocausto habitam o nosso imaginário hoje de uma forma nem sempre clara. Ele traz uma visão ácida, ainda que bastante divertida, a respeito do tema, um debate bastante importante quanto aos riscos de perpetuação de determinadas ideias por meio das imagens. Concepções que podem, na verdade, diminuir a violência do Holocausto, enquanto parecem manter viva a memória do ocorrido.  Ida veio de encontro a esse pensamento durante a sua dolorosa jornada, vivenciada juntamente com sua tia. 

Eu falei mais do que eu pretendia, mas espero não ter dito muto sobre a história. Quando você assistir ao filme, ou se já o viu, conta para mim o que achou dele. 

Em um pensamento de última hora, os olhos de Agata Trzebuchowska são realmente a alma do filme, e poderiam tranquilamente figurar num filme de terror. 

Ida. Dirigido por Pawel Pawlikowski. Com: Agata Trzebuchowska, 
Agata Kuleza, Dawid Ogrodnik. Roteiro: Pawel Pawlikowski, 
Rebecca Lenkiewicz. Polônia, Dinamarca/ França/
Inglaterra, 2013, 82 min, Dolby digital, black and white 
(Chamou a minha atenção como quase todo os créditos finais 
era composto por Agatas ou Marreks) (Cinema).



O primeiro filme do dia foi O Duplo (The Double), do diretor inglês Richard Ayoade, baseado no livro de Fiodor Dostoyevsky. Na minha perpétua santa ignorância, eu sou sabia disso, e pensei em Kafka durante todo o filme.  

Espaços fechados e sujos... vazamentos no teto, lâmpadas defeituosas, uma noite eterna. Uma contínua sensação de claustrofobia advinda de se sentir preso, ignorado e não reconhecido pelas pessoas e instituições. Jesse Eisenberg está maravilhoso em sua performance, assim  como todo o elenco. Tanto que, junto com o seu personagem, eu me sentia também presa. As imagens pareciam se fechar ao meu redor, e tudo o que eu queria era que o filme acabasse. 

Veio-me uma forte impressão de dejà vu. Eu já me senti assim em uma sala de cinema, embora tenha sido há muito tempo. Uma outra percepção que me ocorreu foi de um vívido anacronismo. Esse filme, a meu ver, pertence a um outro tempo - o final dos anos 80, começo dos 90. 

Questionando a mim mesma a respeito, eu cheguei à conclusão - da qual não tenho nenhuma certeza - que o problema não é que não sejamos ouvidos pelas pessoas ao nosso redor ou pelas instituições, como o governo por exemplo. Eu ouço numerosas e estrondosas vozes todos os dias, ensurdecedoras em suas expansão errática. O competente e correto bom moço que não é ouvido ou visto por ninguém não é uma figura que eu veja constantemente nos mundo de hoje. Claro, inadequação, sentimento de invisibilidade, a busca pela identidade própria estão sempre presentes na jornada do homem, mas não na forma como figurada em O Duplo. E assim, o que ficou do filme para mim foi o desconforto que senti, a claustrofobia e a admiração por Eisenberg, um excelente ator (com um rosto digno de HQs).  

http://onemovieadaywithamelie.blogspot.com.br/2015/03/day-two-march-11.html


 O Duplo (The Double). Dirigido por Richard Ayoade. 
Com: Jesse Eisenberg, Mia Wasiowska, Walace Shawn 
(always the Vizzini). Roteiro: Richard Ayode, from the book by 
Fyodor Dostoyevsky. Inglaterra, 2013, 93 min., Dolby Digital, Color (Cinema).



PS: Fragmentos: Hoje, durante meu costumeiro café da manhã em frente à TV, assisti a uma cena de Notting Hill2009, de que gosto muito, especialmente pela música durante a montagem. Pensei então que seria interessante apresentar aqui esta lembrança:





PPS: O Duplo me lembrou uma história de Milan Kundera em que um funcionário acaba sendo preso por não ser capaz de dizer não e nem o que pensa. Mas o nome do conto se perdeu na minha (péssima) memória. i 

PPPS: For english: https://onemovieadaywithamelie.blogspot.com/b/post-preview?token=rK-p5U0BAAA.V2KhnrFHSDO9QOw44DORKg.2mxeDjxMfoRpcetDcF_KMA&postId=2234130130881203482&type=POST

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